Em se tratando de Reforma Política muitos temas se misturam num alvoroço de opiniões, propostas e críticas. Para mantermos um mínimo de organização e coerência (o que nem sempre será possível), vamos prosseguir nas tratativas referentes ao Poder Legislativo.
O sistema eleitoral adotado atualmente para se eleger um Senador também é alvo de críticas e propostas.
De pronto precisamos entender dois pontos cruciais.
O primeiro é que o Senado, diferentemente da Câmara dos Deputados, não representa, filosoficamente, o Povo. Este é representado pela Câmara, e por isso cada estado tem um número variado de Deputados Federais, que acompanhará (respeitando número mínimo de 8 e máximo de 70, de acordo com o artigo 45 da Constituição Federal) proporcionalmente a população respectiva do estado eleitor. Ao passo que o Senado possui número fixo de 3 representantes por estado, já que estes representam diretamente o estado. Nessa acepção de estado, incluímos sem rigor técnico o Distrito Federal.
O segundo ponto trata do sistema atual de escolha de um Senador. Ao contrário do que acontece com todos os demais cargos eletivos (Presidente, Deputados Federais, estaduais e distritais, Governadores, Prefeitos, Vereadores) os Senadores são eleitos para um mandato de 8 anos. Mas como isso ocorre se temos eleições para o Senado de quatro em quatro anos?
Simples. Isso se dá com a alternância de vagas em legislaturas diferentes. Assim, enquanto numa eleição escolhemos dois representantes, na próxima elegeremos apenas um, já que os dois eleitos anteriormente ocuparão o cargo pelos próximos quatro anos (completando os oito). Podemos então afirmar que renovamos o Senado em dois terços em uma eleição, e em um terço na eleição seguinte. E assim sucessivamente.
Além dessa diferença, temos nas eleições para o Senado a figura dos Suplentes. Cada candidato ao Senado apresenta, na sua candidatura, dois outros nomes que o substituirão em caso de afastamento. Funciona tal como uma chapa, onde um candidato a Senador apresenta dois possíveis vices em caso de afastamento. Tal substituição se dá nos casos de afastamento temporário para ocupar outro cargo, ou licença superior a 120 dias. E em caso de afastamento definitivo (exemplo, por morte) o suplente o sucederá.
Entendido o atual sistema, vamos analisar algumas das propostas que estão atualmente em discussão – dentro e fora do Congresso.
Uma delas prossegue com a figura do Suplente, mas reza que este só assume o cargo em caso de afastamento temporário do titular, não o sucedendo em casos de afastamento definitivo. Assim, em casos de afastamento definitivo do titular seriam convocadas novas eleições. Salvo se o afastamento ocorrer faltando menos de 60 dias para as eleições regulares, quando o suplente assumiria por este curto período.
Outra proposta é a que acaba com a eleição do suplente, e prevê que em caso de afastamento o Senador será substituído pelo Deputado Federal mais votado do mesmo Partido. Assim, não teríamos a figura do suplente nas eleições para o Senado, e este papel seria ocupado por um membro do mesmo partido eleito para a outra Casa Legislativa.
Importa dizer que tal proposta traz algumas incongruências técnicas e até mesmo de cunho filosófico.
Técnica porque os requisitos para ser candidato, e eleito, ao Senado são diferentes dos requisitos para ocupar uma cadeira na Câmara. A começar pela idade mínima, que para ser senador é de 35 anos, e para ser Deputado é de 21 anos.
E filosófica porque contraria o sistema de representatividade das Casas Legislativas. Alguém eleito para representar o povo, a vontade popular, passa a exercer função de representante do estado.
Outra proposta que também exclui a figura do suplente, é a de que o candidato derrotado com maior votação ocupe a cadeira do Senador que se afastar. Nesse caso, via de regra, o afastamento de um Senador eleito estaria abrindo a possibilidade de a oposição ocupar seu cargo.
O que vemos é que, diante de tantos problemas e discussões a que se propõe a Reforma Política, poucas delas dão ênfase a esse pequeno detalhe (sistema de eleição de Senadores). Mesmo as propostas ditas Populares (do povo), não se atentam que nesse ponto reside um dos maiores jogos de cargos e trocas de cadeiras e manipulações político partidárias dum grande cenário de “jogo de Xadrez” estrategicamente maquiavélico.
Mais uma vez, a desinformação, ou desatenção – mesmo daqueles que estão envolvidos umbilicalmente com a questão da Reforma – prejudica, de morte, a saúde das mudanças que estão por vir.
[1] Depois de escrever o texto, notei que a data de hoje é conhecida como o Dia da Mentira. Bem apropriado para o post acima, visto que, aparentemente, boa parte dos envolvidos nas Reformas Políticas ali estão para ludibriar a população –que ignora questões vitais da Reforma. Estão pintando as paredes e dizendo que estão mudando, ao passo que não alteram questões estruturais. Uma casa com estrutura ruim não precisa de tinta nova. Precisa de marreta e novos pilares. Que o dia da mentira fique no folclore popular, e não alcance algo tao importante para todos nós, que é a verdadeira Reforma Política.